Páginas

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Oldboy: Quando um remake dá certo. Ou quase.


Todo mundo está ciente da nova obsessão do cinema americano: a onda dos remakes. Isso é um assunto que sempre descamba para a velha história do "Hollywood está sem ideias", o que não deixa de ser verdade. Pois agora, cansados de fazer novas versões de seus próprios filmes antigos, os EUA decidiram olhar para o resto do mundo, finalmente percebendo que (ora, vejam só) existe cinema ( e muito bom por sinal ) fora de seu mundinho.



Muita gente criticou o remake americano de "Os homens que não amavam as mulheres" que faz parte de uma trilogia de filmes suecos, baseados nos livros do escritor Stieg Larsson. Fãs da obra bateram o pé dizendo que era desnecessária uma versão americana, vista por eles como uma ideia caça-níquel. E agora a história se repetiu, quando foi anunciado que Spike Lee estava produzindo a versão americana de Oldboy, um filme sul-coreano de 2003 do diretor Park Chan-wook, que por sua vez é livremente baseado em um mangá japonês de mesmo nome.
Além de ter sido muito elogiado pela crítica, o filme venceu o Grand Prix na edição de 2004 do Festival de Cannes, sendo muito elogiado por nada mais nada menos que o diretor Quentin Tarantino, que foi presidente de júri no festival daquele ano. Foi questão de tempo para o filme se tornar cultuado por cinéfilos e angariar uma legião de fãs por todo o mundo, com seu roteiro denso, e sua violência crua e visceral.

Para quem não sabe, o filme conta a história de Oh Dae-su, um homem que é misteriosamente sequestrado e trancafiado dentro de uma quarto contendo um banheiro e uma televisão que fica 24 horas por dia lhe passando informações do mundo lá fora. Ele não tem contato com ninguém, recebendo sua comida por um buraco na porta, e fica preso ali por inacreditáveis 15 anos. QUINZE FUCKING ANOS. Um período no qual ele treina corpo e mente se preparando para o dia em que vai sair e acertar as contas com seu misterioso captor.
Em um dia como outro qualquer, Oh Dae-su é libertado sem qualquer aviso e decide que o seu objetivo de vida agora é sair em busca de vingança para saber quem é a pessoa que o manteve enclausurado roubando parte de sua vida e porque fez isso. E essa é a premissa do filme.

Mas, enfim... a versão americana estrelada por Josh Brolin finalmente estreou e a pergunta é: Spike Lee fez jus ao original? Bom, eu responderia sim e não.
O filme começa muito semelhante ao coreano, tanto na imagem quanto na ambientação. Diria até que o remake mostra um protagonista bem mais repugnante nesse início de filme, de forma a já colocar na sua mente que independente que qualquer coisa, ele com certeza era um cara com inimigos.


Josh Brolin está muito bem aqui no papel de Joe Doucett, e consegue passar toda a transformação física e mental que o personagem sofre durante os 20 anos enclausurado. Sim, porque aqui ele passa VINTE ANOS preso no quarto.
Particularmente acho essa parte do filme mais trabalhada que o original, pois o captor se mostra muito mais cruel. Ele não apenas tranca o protagonista, ele continua ainda por um bom tempo tentando destruir sua mente e acabar com sua sanidade.

Aliás, o vilão de Oldboy é um ponto alto do filme, tanto nesse remake quanto na versão original. É um personagem complexo e doentio, sendo muito bem retratado aqui pelo ator Sharlto Copley, que diferente de sua versão coreana, é cheio de trejeitos afetados e com tendências homossexuais.

Houve uma grande diferença no que tange à origem desse personagem e no surgimento de seu ódio pelo protagonista em relação ao filme original,  mas que acaba sendo  uma adaptação plausível e que verdade seja dita faz muito mais sentido dentro da história, além de trazer um tom bem mais dramático para o seu passado. A sequência em que vemos o que aconteceu com sua família e de onde se originou seu ódio por Joe Doucett é tensa, violenta e de uma dramaticidade sem igual.

Outro ponto positivo do filme é a atriz Elizabeth Olsen (sim, ela é irmã das gêmeas Olsen) que dá vida a Marie Sebastian, personagem crucial na jornada de Doucett em busca de seu sequestrador. Foi o primeiro filme que eu assisti com a atriz e fiquei satisfeito com o seu trabalho. Estava curioso, visto que ela foi escolhida para interpretar a personagem Feiticeira Escarlate na sequência de Vingadores. Marie é a alma do filme, uma personagem que já teve sua cota de demônios no passado e problemas com vícios, mas que acredita na história de Doucett e decide ajudá-lo em sua busca implacável, até mesmo se apaixonando por ele.
Ela tem uma importância crucial na história, mas qualquer comentário a mais seria spoiler. É preciso assistir o filme (qualquer uma das versões) para entender.

Algo que me incomodou nesse filme, é que não temos uma cena do corredor que faça jus à original, algo que para mim era o mais esperado ao assistir essa versão. A já clássica e violenta cena em que Oh Dae-su no filme original acaba com dezenas de capangas sozinho usando apenas um martelo até existe no remake, mas não possui o brilhantismo do filme coreano, em que a luta se mantinha o tempo inteiro em uma visão 2-D lembrando antigos jogos de vídeo-game de luta. Aqui ela dura pouco tempo e acontece em locais diferentes além do corredor.


A sequência final era algo que me preocupava. Podem me apedrejar, mas eu não gosto do final do filme original. É cruel, chocante, violento e surreal. Eu entendo que essa era a proposta do filme desde o início, e que a cena foi criada daquela forma para deixar claro o desespero do personagem perante aquela situação (assistam o filme), mas particularmente considero aquele final muito exagerado.
O final aqui me agradou mais. A revelação final (que muita gente achou que seria cortada) ainda existe, porém a atitude extremista de Oh Dae-su não acontece com Joe Doucett.
No original também temos umas situações envolvendo hipnose, as quais eu achei forçadas, algo que no remake foi limado. Mais um ponto positivo.

No geral pode-se dizer que a versão americana é um bom filme, e que adapta de forma satisfatória o clássico sul-coreano, até mesmo "resolvendo" alguns problemas da obra original.
Mas terminado o filme, a pergunta que fica é: Pra que?
Se já tínhamos o original, que é aclamado por público e crítica, pra que fazer uma versão americana? Preguiça do povo americano em ler as legendas, ou seu velho preconceito com o cinema estrangeiro?

Eu particularmente acho remake uma coisa desnecessária. Mas estou me referindo aos remakes que os americanos fazem de seus próprios filmes. Clássicos dos anos 80 que vem sendo deturpados em filmes fracos produzidos por estúdios que só visam dinheiro e que não tem um pingo do brilhantismo dos seus irmãos do passado.
Porém eu vejo de uma forma mais tolerante os remakes de filmes estrangeiros. Eu acho válido que uma boa história possa ser contada por mais de um país, tendo mais de uma versão. Cabe a você decidir qual versão gosta mais, ninguém está "estragando" o seu filme favorito. Ele ainda existe intocado.

O Oldboy de Spike Lee respeita muito o clima do filme original, até mesmo emulando alguns locais, deixando o visual muito parecido com a versão coreana. Achei isso um acerto, pois acaba por diminuir o rage (inevitável) dos fãs mais hardcore.
Recomendo que assistam as duas versões, primeiro o original e depois o remake, e tirem suas próprias conclusões. E espero que assim como eu, possam ter uma boa experiência com os dois, encarando-os como obras distintas e cada uma com seu brilho.