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domingo, 3 de agosto de 2014

[Crítica] Guardiões da Galáxia


Em um movimento ousado, a Marvel lança o seu mais novo filme, diferente de tudo o que foi feito pelo estúdio até aqui. E o resultado é o mais positivo possível.

Lembro que recebi com um misto de surpresa e desconfiança a notícia de que a Marvel faria um filme dos Guardiões da Galáxia, na época do anúncio. Surpresa porque para mim parecia algo que não condizia com o que vinham produzindo, não parecia se encaixar no planejamento. E desconfiança simplesmente porque não os conhecia, nunca havia lido nenhum material deles, e até então nem sabia da existência dos personagens.
Nunca mais desconfio da Marvel Studios.

Guardiões da Galáxia é um filme ótimo, na medida certa. Não tem medo de se mostrar como o que se propôs desde o início: uma ótima aventura espacial com muito humor e personagens carismáticos, além de uma bela homenagem aos anos 80. Seja na sequência inicial onde Peter Quill (Chris Pratt) rouba o Orb (peça essencial do filme em que gira toda a trama) fazendo lembrar muito os filmes de Indiana Jones, o cenário cósmico recheado de naves espaciais e raças alienígenas bizarras com diferentes culturas que remetem a filmes como Star Wars e Star Trek, até a trilha sonora, que é recheada de clássicos da década de 70 e 80 como Hooked On A Feelling, Come and Get Your Love e I Want You Back, entre outras.

Aliás, é muito interessante e uma ótima sacada como a trilha sonora é introduzida no filme, usando o personagem Peter Quill. Acontece que o protagonista do longa possui um velho tocador cassete e uma fita presentes de sua mãe, o "mix incrível", e durante o filme ele vai ouvindo as músicas em determinados momentos, tornando-as assim acessíveis ao espectador. E porque só músicas dos anos 80? Simples. Foi a época em que Peter foi abduzido por aliens e retirado da Terra, enquanto estava com seu mix. Uma ideia inteligente, original, e que dá uma característica especial ao personagem e uma identidade própria ao filme.
O mais interessante é que no final do longa temos a revelação de que existe um "mix incrível volume 2". Ou seja, podemos aguardar mais clássicos dos anos 80 no já anunciado segundo filme. E clássicos dos anos 80 são sempre bem vindos.

A trama do filme como eu citei ali em cima, gira em torno do Orb, uma peça que é roubada por Peter Quill (personagem de Pratt, um fora-da-lei que se auto intitula Senhor das Estrelas) no início do filme e que descobrimos estar sendo almejada por nada mais nada menos que Thanos. Sim, o titã finalmente aparece em toda sua magnificência, e com um visual levemente diferente daquele mostrado na cena pós-créditos de Vingadores.


Thanos incumbe o seu arauto, Ronan (Lee Pace), de pegar o Orb, que é revelado em determinada altura do filme pelo personagem Colecionador (Benício Del Toro) como sendo uma das Jóias do Infinito, artefatos tão conhecidos pelos fãs dos quadrinhos acostumados com esse núcleo cósmico da Marvel e das histórias envolvendo Thanos. Diferente dos quadrinhos, onde as Jóias do Infinito (por muitas vezes chamadas também por "gemas do infinito") tem uma aparência realmente de pequenas pedras, no universo cinematográfico até agora cada uma teve a sua própria particularidade e aparência.

Em Capitão América: O Primeiro Vingador e em Vingadores vimos a primeira delas, o Tesseract, que lembra muito a aparência do Cubo Cósmico dos quadrinhos, e em Thor: O Mundo Sombrio observamos a segunda delas, o Aether, um tipo de líquido viscoso e vermelho escuro capaz de converter a matéria em matéria negra e trazer escuridão ao universo.
Ronan é acompanhado nessa missão por duas das filhas de Thanos: Gamora (Zoe Saldana) e Nebulosa (Karen Gillan), e ordena que uma delas recupere o Orb que está com Peter Quill. Gamora, que na verdade pretende trair seu pai adotivo, se oferece para a missão, decidida a roubar o Orb e impedir que ele chegue às mãos de Thanos.
É a partir desses acontecimentos que vamos sendo apresentados aos outros (excelentes) personagens do filme, como os caçadores de recompensas Rocket e Groot, um guaxinim alterado geneticamente e uma criatura árvore que age como seu companheiro de viagem, dublados magnificamente por Bradley Cooper e Vin Diesel, respectivamente.
A sequência em que esses personagens se encontram pela primeira vez, com Gamora tentando roubar o Orb de Quill enquanto Rocket e Groot tentam capturá-lo para receber o prêmio oferecido pela sua captura, é espetacular. É GIBI PURINHO! Não há como ter outra sensação a não ser estar lendo uma divertida história em quadrinhos, cheia de aventura, ação e humor. Essa cena representa muito bem qual vai ser o teor do filme dali pra frente, e é uma apresentação digna dos personagens.
Na segunda sequência mais interessante do filme, que se passa quando eles são capturados e presos, conhecemos o último personagem a integrar essa estranha equipe que dá nome ao filme. Drax, o Destruidor (Dave Bautista). Buscando vingança contra Ronan por ter matado sua mulher e filha, Drax vê em Gamora uma oportunidade de sanar um pouco do seu ódio. Impedido por Quill, eles decidem se juntar na aliança mais improvável de todos os tempos, para conseguirem pelo menos fugir daquele local. É o início de uma parceria que ainda vai causar muita confusão no espaço.


Toda a narrativa do filme é muito linear e vai evoluindo gradativamente. O humor está presente a todo momento no filme, mas não são piadas forçadas ou fora de contexto como a própria Marvel já fez algumas vezes, recebendo críticas por isso. São piadas bem dosadas, no momento certo, e na verdade dão tom ao filme. São um atrativo. Se os outros filmes da Marvel Studios seguiam uma fórmula que se resumia a ação com alguma comédia, esse daqui é uma comédia com alguma ação. E que ação! E que comédia!
Mas o filme não é só isso. Temos também uma dose de drama, e que é muito bem executada e crível. James Gunn conseguiu entregar um filme amarradinho, que pode levar famílias inteiras ao cinema, e que não apenas traz um frescor ao gênero de filmes espaciais, como relembra muito o clima de filmes de ficção científica clássicos como O Vingador do Futuro e o já citado Star Wars. É sensacional perceber como foi criado todo um universo com esse filme, e inúmeras possibilidades foram abertas. Dá até um pouquinho de raiva da Warner, só de lembrar que Lanterna Verde (2011) tinha o mesmo potencial criativo (se não mais) para algo dessa dimensão, mas teve uma abordagem rasa que sepultou o personagem nos cinemas. A Marvel fez com personagens desconhecidos o que a DC deveria ter feito com um de seus medalhões.

Conforme a equipe vai se conhecendo, se ajudando e enfrentando adversidades, você vai acreditando naquela união.

Quando aqueles personagens tão improváveis estão agindo em nome da amizade no final do filme, não há espaço para você se questionar que aquele companheirismo aconteceu de forma rápida demais, simplesmente porque é tudo muito crível. O filme te carrega até aquele momento e te faz acreditar, tudo mérito do roteiro e do carisma dos personagens.
E como já era de se esperar, Rocket Raccoon rouba o filme. Não é o tipo de exposição exagerada que acaba por deixar os outros personagens de lado, de jeito nenhum. Cada um tem seu tempo de tela, sua importância e seu carisma, mas Rocky sem sombra de dúvidas é o mais divertido, o que mais arranca risadas e é dono de alguns dos momentos mais marcantes do filme, juntamente com seu companheiro Groot. O personagem de Vin Diesel, aliás, é muito carismático. Groot funciona quase que como uma criança, tamanha sua ingenuidade. Porém é um dos elos mais importantes e interessantes do filme, além de se mostrar um aliado poderoso quando está com raiva. É dele inclusive a cena mais bonita e emocionante do filme. Ouso dizer que é o melhor papel da carreira de Vin Diesel, mesmo que ele só dê sua voz, e repita sempre apenas uma frase: I am Groot.
Se eu tinha alguma ressalva quanto a esse filme, pode-se dizer que era a respeito do lutador de MMA Dave Bautista, escolhido para dar vida à Drax, o Destruidor.
Começando agora uma carreira de ator, tive um certo preconceito e muita desconfiança a respeito do que ele apresentaria no filme. Mas me surpreendi positivamente.
Não que o papel seja difícil, exija alguma profundidade, tenha muitas camadas ou que Bautista tenha sido brilhante. Mas o fato é que ele simplesmente não compromete. Pelo contrário, ele é bom. Seu personagem não destoa em momento algum dos companheiros, possui o seu carisma, tem o seu propósito e personalidade, trabalha bem o drama quando necessário, e manda igualmente bem nas cenas de humor. Na verdade Bautista deu um excelente toque a um personagem que tinha tudo para ser apenas mais um grandão estereotipado. A cena de camaradagem e confiança entre ele e Rocket no final do filme é algo sutil e bonito, de uma maneira emocionante.
Chris Pratt (o ex-gordinho que venceu na vida) e Zoe Saldana também estão sensacionais em seus personagens. Gamora como a típica assassina que quer se vingar daqueles que a escravizaram e que para isso se une aos heróis e descobre o sentido a amizade, e Peter Quill na típica jornada do herói.

A interação entre os dois é muito boa, e o casal tem química. Mas o melhor de tudo é que... não tem casal.
Peter e Gamora não engatam um possível romance, não se relacionam afetivamente, e quando isso parece ser cogitado no filme, é brutalmente cortado por.... uma piada!

Uma sacada genial, porque particularmente considero que colocá-los como um casal (pelo menos já nesse primeiro filme) seria uma forçada de barra e quebraria um pouco da credibilidade alcançada com a união da equipe. O filme usou de maneira primorosa todos os clichês, mas acredito que esse seria um tiro no pé. Felizmente, seguiram o melhor caminho.
Chris Pratt está excelente como o "Senhor das Estrelas", e tem tudo para ser o novo queridinho do universo cinematográfico Marvel, assim como aconteceu com o Tony Stark de Robert Downey Jr. Canastrão, engraçado, mas ainda assim altruísta e heróico, o personagem conquista o público e o respeito de seus amigos, a ponto de ser chamado de líder ao final do filme.
Ah, vale citar também o ator Michael Rooker, o eterno Merle de The Walking Dead que está brilhante no filme, no papel do alien Yondu, que sequestrou Peter na infância e meio que o "criou". Com certeza um dos melhores personagens coadjuvantes do filme.
E é isso, com esse filme temos a Marvel ousando e tentando fórmulas diferentes, e expandindo o seu universo de uma forma ainda mais abrangente. MUITO abrangente. Guardiões da Galáxia é a prova de que não são personagens conhecidos que fazem um filme ser bom, e sim a forma como a trama é conduzida, e o carisma dos personagens. Mal posso esperar para ver bonequinhos dos Guardiões sendo vendidos, e as crianças querendo ser o Peter Quill ou o Rocket. Com essa expansão, nós só temos a ganhar.

E só pra lembrar, façamos aqui uma pequena contextualização do universo Marvel cinematográfico atualmente: a Manopla do Infinito está no salão de troféus de Odin, Loki está se passando por Odin, Loki já trabalhou com Thanos uma vez, as jóias do inifinito já foram apresentadas... pois é, amigos...

Estamos prestes a presenciar a história sendo feita.